terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Passatempo Breve História de Amor: temos vencedora!

Com um total de 83 histórias, penso que posso dizer que este passatempo foi um sucesso!

Muito obrigada a todos os que participaram, espero que voltem a participar em futuros passatempos! Obrigada também à Editora Asa e ao Tiago Rebelo pelo convite para me associar a esta iniciativa. Espero que tenha sido apenas a primeira de muitas!

Em relação aos resultados, resolvi anunciar os três primeiros lugares e, assim, em segundo lugar, ex aequo, ficaram as histórias “Cúmplices” e “Prenda da Madrugada”.


E a história vencedora é...

“O tempo é um absurdo” de Marlene Ferraz.

Muitos parabéns à vencedora!

Aqui fica a história:

o tempo é um absurdo
por Marlene Ferraz

Ficou espantado quando abriu o Livro do Desassossego e, de dentro dele, cai um bilhete com uma caligrafia tão mecanizada e dura que em nada avisava o que estaria escrito.
Desassossego-me, também. Aonde estará esse amor que nos faz mais cobardes mas inteiros? Espero. Espero-te. Ofélia
A claridade do papel fazia adivinhar que teria sido escrevinhado em tempos já modernos. Talvez ontem, até. Dedicou-se à leitura do texto durante dias, mordido por uma curiosidade rara. Não é propriamente crente em coincidências mas, antes de entregar o livro à bibliotecária, enfiou um outro bilhete.
Aconselho a sua alma aflita a ler Criação do Mundo, do respeitável Torga, para que encontre o amor que procura nas coisas mais simples. Nem só os homens sabem dar amor. Também a chuva e as árvores. É um amor mais sensato, mas não menos inteiro. José
Curiosamente, a refutação veio breve, no livro sugerido pela mão masculina.
É antiga a dor do amor entre homens e mulheres, amor esse que nada substitui. Tens coração dentro de ti? Aconselho-te os poemas do Livro das Mágoas, da Florbela Espanca. Ofélia
José procurou o livro da poetisa no dia imediato. Mesmo antes de acabar a leitura dos trinta e seis sonetos, quis falar por escrito. Desejou que a bibliotecária não desse conta do bilhete e o considerasse lixo vulgar dos leitores desatentos.
Estimada Ofélia, é o coração um lugar grande. Sofro também nessa procura, mas o amor é mais do que um talão de lotaria. Leia Ensaio sobre a Cegueira, do nosso laureado. Sempre, José
Ela respondeu com o intervalo de quatro dias.
Inspiras-me. Desafio-te a nos encontrarmos, aqui. Ao começo da tarde do primeiro dia da semana, estarei na sala das revistas, na primeira cadeira pelos ponteiros do relógio. Tu estarás na terceira. Falaremos se o coração assim mandar. Tua, Ofélia
Ficou nervoso, as mãos trémulas. Esteve dias sem ir à biblioteca, interrompido entre a vontade e o medo. Mas, no primeiro dia da semana, sentou-se na terceira cadeira pelos ponteiros do relógio. Com uns aparelhos de ouvir música nos ouvidos, uma rapariga com olhos pintados de preto. Não teria mais de quinze anos. Agitada, a mascar uma chiclete, batia com as sapatilhas dum rosa forte no chão, prolongada por uns jeans justos e rompidos. José estava com o melhor fato, comprado há quase cinquenta anos. Boa fazenda, ainda firme. Os sapatos escovados, as meias de domingo. Na cabeça, o panamá pardo. Encostada à cadeira, a bengala. A rapariga olhou-o com incómodo. Talvez pensasse que estaria aquele homem a ocupar o lugar do esperado José. Esperaram os dois. Em vão. Porque a Ofélia não veio nenhum amor poético nem a José um amor maduro. A rapariga foi a primeira a levantar-se. Só nesse momento José pode ver que nas mãos dela estava o Livro do Desassossego. Ofélia, um rebento. Ofélia, um impedimento. Levantou-se, também. Ainda vazio, mas acostumado. Disse ainda a quem quisesse ouvir. O tempo é um absurdo. E desandou, sem poder curar o coração dela.

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